Trás-os-Montes

Trás-os-Montes

A PraçaJun 29, '20

É numa pequena aldeia transmontana chamada Paradela que o sol nasce primeiro em Portugal. E é assim por causa da respetiva localização geográfica: não existe outro do ponto do território tão a Este como este. 

O fenómeno talvez explique porque é que em Trás-os-Montes tudo parece ter nascido primeiro. Rituais e santuários pagãos, eremitérios, berrões, dialetos. A própria natureza parece anterior à do resto do território, tal a brutalidade de montanhas e vales, rasgadas por rios serpenteantes, ou a forma como em certas aldeias, tão inóspitas como pitorescas, o tempo parece não ter passado. Não terá sido por acaso que o ilustre transmontano Miguel Torga começou, certo dia, uma palestra sobre a região da seguinte forma: “Vou falar-lhes de um Reino Maravilhoso.” 

Este Reino Maravilhoso divide-se, tradicionalmente, em Terra Quente e Terra Fria. A primeira designa as zonas mais baixas, abrigadas do vento e das correntes, cujo solos xistosos absorvem e retêm o calor. A Terra Fria, pelo contrário, são as zonas de maior altitude e por isso mais expostas a ventos e correntes, em que a amplitude térmica entre meses de verão e inverno é maior. Dela costuma dizer-se: “Nove meses de inverno e três de inferno.” 

Numa e noutra cultivam-se produtos substancialmente diferentes: a Terra Quente é a da Santíssima Trindade transmontana: olival, vinha e amêndoa. Os azeites, estruturados e picantes, são dos melhores que existem neste país. É o caso dos da Quinta do Romeu — onde também se produz vinho — ou da Casa de Santo Amaro, de Francisco Pavão, um dos maiores especialistas nacionais na matéria. A amêndoa de Alfândega da Fé é reconhecida internacionalmente e em matéria de vinho, mesmo deixando ao Douro o que é do (Alto) Douro, encontram-se projetos bem interessantes, como a Quinta de Arcossó ou a de Serra d’Oura.

Já na Terra Fria destaque, em primeiro lugar, para a castanha DOP, boa parte dela exportada para outra paragens. Até à introdução da batata em Portugal, no século XVIII, a castanha desempenhava um papel equivalente na dieta nacional. Hoje, batatas e castanhas, partilham os campos transmontanos, sobretudo na Terra Fria: a batata de Trás-os-Montes IGP é maioritariamente produzida nesta zona da região.

A pecuária não é de somenos importância em toda a região. A Carne de Bísaro Transmontano DOP provém de porcos que só no Inverno vão ao estábulo. No resto do tempo, passeiam-se ao ar livre, alimentando-se de parte das colheitas anuais, e, nos meses de outono, da tradicional castanha. Muita dessa carne acaba nos fumeiros da região, casos do Angelina ou o do Barroso. É que até as míticas alheiras da região levam carne de porco, ao contrário do que se pensa.

Prossigamos: o Cordeiro Bragançano DOP, proveniente de animais da raça Churra Galega, criados sobretudo na Terra Fria, também tem fama justificada. Tal como o Queijo de Cabra Transmontano DOP, cujo leite é das cabras serranas da região, ou a Carne Mirandesa DOP, de bovino, obtida a partir de exemplares da raça homónima criados em sistemas tradicionais. 

Com tanta matéria-prima, é natural que a gastronomia da região seja um dos seus maiores trunfos. Mas se a típica feijoada à transmontana se exportou para o restante território, outros há que é difícil encontrar fora da região, como a sopa de castanhas, o butelo com casulas, a verdadeira posta mirandesa ou o cozido barrosão de Montalegre, com todo os enchidos, o saber e sabor que o torna especial. Como Trás-os-Montes, no fundo.

Tiago Pais - Jornalista