O rio com o maior caudal da Península Ibérica nasce na Serra de Urbião — Urbión, na sua versão original — na fronteira da região de Castela e Leão com a da Rioja, no norte de Espanha. O cenário, na sua nascente, é inóspito, a mais de 2000 metros de altitude. Custa a crer que aquele pequeno curso de água que dali brota se prolonga por 900 quilómetros até chegar à sua foz, que também é nome de bairro do Porto. Mas prolonga. Ó se prolonga.
O Douro — Duero para lá da fronteira —, que é também responsável pela maior bacia hidrográfica da Península, revelou-se sempre, historicamente, um rio difícil para quem tentou nele navegar. Tanto assim é, que apesar da origem etimológica do seu nome mais provável ser a palavra celta dur, que significa ‘curso de água', é mais popular outra versão, bem mais sensacionalista: Douro de duro, do latim duris.
Amainado pela construção de barragens a partir da segunda metade do século XX — só do lado português são mais de 50 (incluindo as dos afluentes) —, o Douro ganhou navegabilidade e visibilidade internacional: é hoje, por si só, mais do que um rio e uma região demarcada de produção vínica em Portugal, um destino turístico de excelência.
Mas deixemos o turismo para outros carnavais, porque o que interessa para o caso é aquilo que se produz. O vinho, claro, vem em primeiro lugar. Segundo alguns historiadores, o Douro é a região demarcada e regulamentada mais antiga do mundo. O cultivo de vinhas nas suas margens remonta ao tempo dos romanos mas foi o Marquês de Pombal que, no século XVIII, para regulamentar a produção e comércio de vinhos, mandou demarcar a região, aplicando-lhe, pelo caminho, uma série de medidas protecionistas.
O vinho do Porto como o conhecemos hoje deve a sua origem à prática de — por motivos de conservação — adicionar aguardente ao vinho que era exportado, sobretudo para Inglaterra, em virtude dos vários acordos comerciais que foram sendo assinados nesse sentido. Essa prática foi aperfeiçoada com o tempo: em vez de ser adicionada no final, a aguardente vínica passou a ser adicionada durante a fermentação, interrompendo-a de forma a preservar a doçura natural do sumo da uva.
Hoje, a região do Douro é tão pródiga nesses vinhos fortificados, os do Porto, como nos vinhos de mesa. Nela trabalham alguns dos mais reputados enólogos nacionais, casos de Mateus Nicolau de Almeida ou Dirk Niepoort, entre outros.
Mas nem tudo é vinho por estas bandas: nas zonas ribeirinhas nascem outros produtos de inegável valor. Azeites, como os da Quinta do Crasto, as amêndoas de São João da Pesqueira ou os citrinos durienses, cultivados sobretudo na Pala, junto a Baião — é famosa, aliás, a Laranja da Pala — e no Pinhão, vila que também tem alguma tradição de charcutaria, se bem que primordialmente para consumo particular.
A gastronomia local bebe muita influência das zonas em redor, de Trás-os-Montes à Beira Alta. O peixe do rio é geralmente servido frito ou em escabeche e a carne — sobretudo a de cabrito ou anho — confeccionada a rigor nos fornos de lenha. E é, acima de tudo, um excelente acompanhamento do vinho.
Tiago Pais - Jornalista