É cada vez menos comum separar-se esta Beira, a litoral, das interiores, a Alta e Baixa. Estas províncias históricas foram absorvidas pela chamada Região Centro, o que tem sido óptimo para a sua promoção unificada enquanto destinos turísticos, mas menos bom para que se realcem as características únicas de cada uma delas.
E a Beira Litoral tem-nas de sobra. A designação, que muitos ainda aprenderam na escola, identifica uma região virada para o mar mas que é atravessada por dois grandes rios, o Mondego e o Vouga. Ambos chegam vindos da Beira Alta para desaguar no Atlântico e pelo caminho deixam a sua marca indelével na paisagem e, consequentemente, nos costumes, identidade e produtos locais.
O Mondego porque, entre outras virtudes, depois de banhar Coimbra hidrata os campos férteis onde se cultiva o famoso arroz carolino do Baixo Mondego IGP. O Vouga porque são as suas águas que, em conjunto com as do mar, dão origem ao sistema lagunar composto por canais, sapais, pequenas ilhas e zonas de entremarés conhecido por Ria de Aveiro. O pasto dos bovinos de raça Marinhoa — que dão origem à respetiva carne DOP — também beneficiam da natureza fértil dos solos circundantes.
Curiosamente, muito do território que historicamente se atribuiu à Beira Litoral é hoje reclamado pela região de vinhos da Bairrada. O terroir e clima locais são, também eles, o resultado da diversidade das suas delimitações: o Vouga a Norte, o Mondego a Sul, o Atlântico a Oeste e as serras do Buçaco e Caramulo a Este.
Existem uma série de (bons) produtores locais, casos de Luís Pato, Mário Sérgio, da Quinta das Bageiras, as Caves São João ou Tiago Teles, que muito têm contribuído para cimentar a Bairrada — e, nalguns casos, a sua uva tinta ex-líbris, a baga — como uma região de grandes vinhos: brancos, tintos e espumantes.
É da Bairrada, também, o apelido do leitão que encanta tantos apreciadores, assado no espeto com mestria em diversas casas espalhadas pela região. As propostas gastronómicas não se esgotam, porém, nos pequenos bácoros: a chanfana é o ex-líbris do distrito de Coimbra e, em Aveiro, fazem-se grandes banquetes com a matéria-prima do mar e da ria, como as enguias, fritas ou em caldeirada, o arroz de sardinhas ou o bacalhau assado à moda de Ílhavo, de onde, no passado, partiam muitos bacalhoeiros em direção à Terra Nova.
E não há refeição que termine sem uma incursão final pela combinação ovos-açúcar, que na Beira Litoral se apresenta com um repertório invejável: começa nos míticos ovos moles de Aveiro, passa pelas barrigas de freira, pelos pastéis de Tentúgal e termina no sensacional pão-de-ló de Ovar. Uma viagem calórica, porém imperdível.
Tiago Pais - Jornalista